Vanessa LampertOs gatos começaram a ser domesticados entre dez e sete mil anos. Adorados, em um período da história, perseguidos, em outro período, são os animais domésticos que mais sofrem com o preconceito, mitos e superstições. Tidos como independentes e selvagens, por muito tempo foram deixados em segundo plano, já que o senso comum dizia que não eram “controláveis” como os cachorros. Durante muitos anos os gatos foram criados sem que se desse muita importância ao que comiam, até que algumas doenças começaram a surgir por conta da má alimentação. Os donos alimentavam seus gatos com ração para cães, pedaços de carne, restos de comida ou mesmo não os alimentavam, acreditando que desta forma, eles comeriam os ratos e baratas que se aproximassem da casa. Gatos são essencialmente carnívoros, porém, essa especialização alimentar não lhes permite obter níveis adequados de alguns nutrientes essenciais para garantir uma vida saudável, como os aminoácidos taurina e arginina, vitamina A, niacina (vitamina do complexo B) e ácido araquidônico, devendo estes estarem presentes obrigatoriamente em sua dieta.
As primeiras rações para gatos apareceram no mercado nos anos 60, porém, ainda não acrescidas de Taurina, o que trouxe diversos problemas aos animais, como cegueira e doenças cardíacas, como a cardiomiopatia dilatada, que se caracteriza por dilatação dos ventrículos cardíacos e conseqüente insuficiência cardíaca congestiva. O metabolismo dos gatos não consegue formar taurina a partir de outros aminoácidos como fazem outras espécies, inclusive o homem. Diante desse problema, as rações foram reformuladas e a taurina passou a ser ingrediente obrigatório.
Enquanto os cachorros eram mantidos dentro dos limites da casa (no quintal, geralmente), os gatos, pela facilidade em pular muros e subir em telhados, passavam mais tempo na rua do que na casa do dono. As saídas noturnas diárias produziam ninhadas de quatro a seis filhotes, que geralmente nasciam nos telhados e se reproduziam em torno dos seis meses de idade. Assim, somados, o crescente abandono e a reprodução descontrolada desses animais fizeram com que houvesse uma superpopulação desses felinos, para cada criança que nasce, nascem também 15 cães e 45 gatos. Como ainda contam com preconceito e superstições, os gatos que moram nas ruas não são bem tolerados pelos vizinhos, acabam mortos, maltratados ou simplesmente não são alimentados, adoecendo, enquanto continuam a se reproduzir desenfreadamente. Segundo se apurou na Primeira Reunião da América Latina sobre Posse Responsável, em Setembro de 2003, no Rio de Janeiro, realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e World Society for the Protection of Animals (WSPA), os animais com proprietário são os principais responsáveis pelo excesso na população animal.
Nessas condições, cresceu a preocupação de sociedades protetoras e protetores voluntários a respeito não apenas da situação dos que já estavam nas ruas, mas também dos que tinham casa, mas engravidavam fêmeas nas ruas ou de fêmeas domiciliadas que tinham filhotes não desejados pelos donos, que acabavam engrossando a fila do abandono. A partir daí começou a ser difundido o conceito de posse responsável, os animais não eram mais vistos como seres inferiores, mas como seres vivos diferentes dos humanos, porém, com igual direito a uma passagem digna por esta Terra. A partir do momento em que são domesticados, não sabem mais viver no mundo para o qual foram criados e também não sabem viver no mundo que não criamos para eles. A Posse Responsável prega que assim que pegamos um gato para cuidar, somos responsáveis por ele, isso inclui providenciar um ambiente no qual ele possa se desenvolver de forma saudável, alimentação adequada, providenciar castração e acesso ao veterinário sempre que necessário. A Posse Responsável não é a favor da humanização dos animais, mas da conscientização da responsabilidade humana sobre os já domesticados.
Descobriu-se que gatos castrados perdem o interesse em sair nas ruas e só mantêm os “passeios” pelo hábito. A castração também evita câncer no aparelho reprodutor de machos e fêmeas (nas fêmeas, se feita antes do primeiro cio, a castração praticamente elimina os riscos de câncer de mama. Já injeções anticoncepcionais causam esse tipo de câncer em 99% dos casos) e outras doenças do aparelho reprodutor, como a piometra. A ausência dos hormônios sexuais deixa os animais mais bem humorados e tranqüilos. Muitos gatos eram abandonados por fazerem demarcação de território com jatos de urina nas paredes e móveis. Sem os hormônios, eles não sentem a necessidade de demarcar território e o cheiro forte da urina diminui drasticamente. Desta forma, além de controlar o problema da superpopulação de animais de rua, a castração passou a ser vista como uma medida de saúde, já que gatos castrados viviam muito mais e melhor do que os não castrados e passou-se a incentivar a população a castrar seus animais. Algumas prefeituras deixaram de sacrificar os animais recolhidos e passaram a fazer campanhas de castração gratuita, uma medida muito mais eficiente de controle populacional.
O primeiro desafio foi acabar com o mito de que castração é uma crueldade. A parte mais difícil foi (e ainda é) convencer a população de que o sexo, para os gatos, é exclusivamente reprodutivo, tanto que a fêmea não aceita o macho fora do período de cio, onde está pronta para a ovulação. O ato sexual também é doloroso, o pênis do macho possui pequenos espinhos que têm o objetivo de sangrar a vagina da fêmea, pois o espermatozóide precisa do meio sanguíneo para sobreviver. A fêmea grita de dor, mas não pode se mover por estar presa ao macho pela nuca, após o coito, ataca o macho, mordendo e arranhando violentamente. Não há o menor romantismo, o menor prazer. Homens são mais resistentes a castrar seus gatos do que mulheres, provavelmente pelo fato de o homem enxergar o gato não castrado como um símbolo fálico, projetando nele sua fantasia de masculinidade absoluta, de sexo sem compromisso com diversas fêmeas. Porém, se fosse possível ao homem ter sexo sem compromisso com diversas mulheres, certamente ele não precisaria entrar em brigas violentas com os concorrentes diariamente, muito menos teria relações com desconhecidas sem preservativo, nem apanharia delas após o coito. Infelizmente, não existe preservativo para gatos. Eles estão expostos a doenças transmitidas sexualmente e nas brigas com outros gatos, como FIV (aids felina), FELV (leucemia felina) e PIF (peritonite infecciosa felina), não transmissíveis ao homem, mas de evolução lenta e fatal nos gatos, contra as quais não há vacina. O stress sexual também faz com que gatos não castrados sejam irritadiços e ariscos, razão pela qual são descartados pelos donos que os adotaram (ou compraram) filhotes, fofinhos e brincalhões.
Conforme a castração se tornou hábito entre donos responsáveis, notou-se que ela, sozinha, não evitava que gatos com acesso à rua caçassem os passarinhos do vizinho, por exemplo, e assim acabassem envenenados, atacados por cachorros ou morressem atropelados. Gatos não sabem atravessar a rua, não olham para os dois lados, nem sabem o que é semáforo, estando, portanto, mais propensos a atropelamentos. Também não conseguem se livrar de animais maiores, como cachorros, ou de atrocidades cometidas por seres humanos. Não são mais animais selvagens, o gato doméstico não sobreviveria em uma floresta, pois perdeu grande parte das ferramentas que tinha antes da domesticação. Ele está em um ambiente que lhe é hostil, criado pelo homem, e ao qual também não se adaptou. As maiores causas de mortes de gatos são atropelamentos, envenenamentos, espancamentos, ataques de cachorros e quedas de janelas. Nenhuma causa natural. Chegou-se ao consenso de que gatos castrados e sem acesso à rua vivem tranqüilamente, muito mais e melhor do que em outras condições. A chamada “criação indoor”, onde não se dá acesso à rua ao animal, tem se mostrado a maneira mais eficiente, junto com a castração, de se evitar acidentes. Para não castrados e com acesso à rua, a expectativa de vida gira em torno dos dois ou três anos, castrados e sem acesso à rua, os gatos podem viver entre dez e vinte anos, com saúde.
Mas como não dar acesso à rua a um gato? A recomendação de veterinários e protetores de animais é a instalação de redes de segurança (a mesma usada para evitar que crianças caiam da janela) em janelas, vitrôs e sacadas, para evitar fugas e quedas. Se o gato já estiver acostumado a sair, deve miar por alguns dias, mas depois se acostuma à vida dentro de casa. Gatos são pequenos e se adaptam facilmente a pequenos espaços como casas e apartamentos. Ao contrário dos cachorros, não necessitam de passeios regulares, pois fazem seus exercícios e brincadeiras em qualquer espaço. Muitas pessoas que moram em casas telam seus quintais, para que os gatos tenham mais espaço do que o interior da residência. Telas em inclinação de 45° sobre os muros evitam que os animais ultrapassem os limites do terreno.
E como seria a qualidade de vida desses gatos? Muita gente ainda acredita que gatos castrados e mantidos em apartamentos ou casas teladas ficam preguiçosos e gordos, isso é mais um mito. Na verdade, gatos não castrados e com acesso à rua vivem em um stress constante, sobem em muros, árvores e telhados, correm, brigam e se afastam de casa. Acabam, assim, gastando muito mais energia e, conseqüentemente, emagrecendo. Após a castração, sem o interesse nessas atividades, eles realmente ganham peso. Tendo, porém, brinquedos à disposição (às vezes simples bolinhas de papel ou cadarços de tênis fazem a festa de um gato), ele vai se exercitar da mesma forma. Outros mitos que foram esclarecidos recentemente: “gato some fácil”, na verdade, gatos não têm poder de desmaterialização, eles não somem. Muito raramente são roubados. Geralmente morrem atropelados, atacados por cachorros, envenenados ou espancados, longe dos olhos do dono. “Gato se apega à casa, não ao dono”. Esse mito foi uma das maiores desculpas para o abandono de gatos durante mudança de endereço. Antes de arrastar os móveis, gatos (e cachorros) devem ser presos em uma caixa de transporte própria, porque tendem a se assustar e fugir. Porém, depois voltam, encontrando a casa vazia e vizinhos impacientes.
Mas gatos não precisam de liberdade? Achar que um gato na rua está totalmente livre é uma ilusão. Mesmo que ele saia do quintal do dono, obedece a limites territoriais estabelecidos entre ele e os outros gatos da rua. Fica limitado do mesmo jeito, só que de outra forma. Além dos inúmeros perigos que o gato enfrenta na rua e que já foram citados, ainda há a questão do respeito. Os vizinhos não são obrigados a conviver com animais de que não gostem. Não são obrigados a encontrar cocô de gato no jardim ou ter suas portas demarcadas com urina, nem ter seus passarinhos de estimação comidos. Quem sofre as conseqüências dessa invasão é o próprio gato. Somos responsáveis pelos animais que domesticamos nesta selva construída por nós, que não tem espaço para eles. Gatos se adaptam muito bem a não terem acesso à rua e não se deprimem por essa privação. Eles podem ter liberdade dentro de casa, e sentem-se seguros em seu território.
Na rua, o gato dono do território demarca os limites dos outros gatos, alguns caminhos pertencem a um só gato, outros são caminhos comunitários. Alguns caminhos podem ser usados a uma certa hora pelo gato A, outra hora pelo gato B e outra ainda pelo gato C e assim por diante, num sistema que evita conflitos. Há estradas principais e há regras de tráfego. Por exemplo, qualquer bichano que ande por um caminho principal tem a preferência para atravessar no cruzamento, exatamente como os bípedes humanos fazem, ou deveriam fazer, no trânsito. Gatos dominantes não castrados, na rua, podem expulsar um ou outro novato que julgue inconveniente, afastando-o de seu território. Desta forma, o gato não poderá voltar e morrerá longe do dono, de alguma das causas já citadas. Dentro de casa, ou do apartamento, os gatos organizam sua sociedade, criando regras próprias de convivência e de distribuição territorial. Portanto, a mesma “liberdade” que existe na rua, existe dentro de casa, com a diferença de que em casa não há o perigo de atropelamentos, torturas, envenenamentos, e entre gatos castrados, não existe a rotina de brigas violentas por território ou conquistas sexuais, o que evita machucados infeccionados e doenças infecto-contagiosas.
Ainda existe também o medo da cirurgia, embora os benefícios da castração superem os riscos da operação, feita com anestesia geral. A cirurgia nos machos é extremamente simples, geralmente sem necessidade de pontos, o que torna o pós-operatório tranqüilo e a recuperação bastante rápida. A bolsa escrotal é mantida, e são retirados apenas os testículos, através de um corte minúsculo. A cirurgia da fêmea necessita de um corte no abdome, por onde é feita a retirada dos ovários e útero. O pós-operatório é mais complicado pela existência de pontos e pela facilidade que a gata tem de arrancá-los na primeira oportunidade. Porém depois de uma semana os pontos são retirados. Os gatos não precisam de hormônios sexuais para crescer, portanto, a castração pode ser feita precocemente, em torno dos cinco meses, potencializando assim seu poder de prevenção de câncer de próstata, ovário, útero e piometra. Não há a menor necessidade de que a gata tenha seu primeiro cio ou que cruze antes de castrar, pelo contrário, feita antes do primeiro cio, a castração é ainda mais benéfica.
Hoje se sabe que gatos não são interesseiros, tampouco traiçoeiros ou não-confiáveis, como muita gente acreditava. São animais tão carinhosos e leais quanto cachorros, embora tenham outro tipo de personalidade. Por serem mais limpos e necessitarem de menos cuidados do que os cães, os gatos têm ganhado mais espaço entre os moradores de apartamentos. Telas nas janelas, segundo o conceito atual de Posse Responsável, são indispensáveis, assim como a castração, ração, vacinas e vermífugos em dia e uma bandeja sanitária com granulado especial para gatos. Não há necessidade de passeios diários, de banhos periódicos (especialmente em gatos de pêlo curto), de presença constante do dono, mas como gatos são animais de vida social (na rua, eles têm seus locais de reuniões diárias), o ideal é ter mais de um.
Algumas ongs de proteção animal não doam gatos para pessoas que não se comprometam a castrá-los e telar as janelas. Nos EUA, gatos adotados são obrigatoriamente castrados. Lá, no entanto, a proteção animal funciona e maus tratos são passíveis de punição, por isso os felinos estão um pouco mais seguros. Um pouco, porque ainda podem ser atropelados, infectados com doenças incuráveis (para as quais ainda não se tem vacina) e atacados por cachorros. A superpopulação e o abandono ainda assustam os protetores, que buscam resgatar e castrar os gatos encontrados nas ruas, e conscientizar a população sobre a importância da castração e da responsabilidade ao adotar um animal, para evitar o abandono de quem compra ou adota por impulso.
Segundo a WSPA (Sociedade Mundial de Proteção Animal), mais da metade dos coelhos, cães e gatos adquiridos em datas festivas como Páscoa e Natal, são abandonados. Em São Paulo são 25 mil cães e gatos recolhidos anualmente pelo Serviço de Controle de Zoonoses, dos quais apenas 1.200 conseguem um novo lar.
Existem vários “motivos” para o abandono: viagens de férias, desistência do “brinquedo”, o trabalho gerado pelo animal, uma eventual deficiência física ou doença, problema de comportamento e outros. É sempre o mesmo artifício: à noite abandonam nas portas de faculdades ou de hospitais veterinários, nas clínicas, nos parques municipais ao amanhecer, ou mesmo à plena luz do sol, nas feiras e parques da cidade. Nos pet shops, geralmente entregam o animal para um procedimento, fazem mil recomendações e nunca mais retornam, deixando o mascote para quem se interessar.
Diariamente o Serviço de Zoonoses da Prefeitura de São Paulo tira das ruas cerca de 60 animais entre cães e gatos, menos de 20% consegue abrigo, os demais são sacrificados, saudáveis, em sua maioria. Alguns filhotes e muitos adultos, que, apesar de terem adaptação muito mais fácil a um novo lar, por preconceito e falta de informação das pessoas, acabam tendo dificuldades em encontrar adotantes. O mesmo destino é dado a animais abandonados em clínicas: não há como alimentar a todos. A única forma de controlar a superpopulação e diminuir a quantidade de abandono é conscientizar a população da importância da posse responsável.
Programas de controle da população animal são fundamentais para uma sociedade justa e que respeita os animais. Segundo o site do CPNA (Centro de Planejamento de Natalidade Animal), programas de esterilização em massa têm garantido resultados excelentes desde a década de 1970, quando começaram a ser aplicados nos EUA. Outros países como Dinamarca, Índia, Rússia, México e Nova Zelândia também vêm tendo bons resultados com a prática. As estatísticas são animadoras:
● Em São Francisco, Califórnia, as eutanásias de animais sadios estão suspensas desde 1999.
● Em Houston e Dallas, Texas, a proporção de animais sacrificados nos abrigos estaduais (equivalentes aos nossos CCZs) caiu em 30% desde que foram implantadas as primeiras clínicas de esterilização gratuitas e a baixo custo.
● No estado do Alaska, a redução do sacrifício de animais foi de 70%, graças ao trabalho empreendido pelas clínicas móveis de esterilização.
● No Estado do Colorado, o ingresso de animais nos abrigos estaduais caiu em 40% com a política de "esterilizar e devolver" ao invés de "capturar e matar".
● A cidade de Filadélfia reduziu a entrada de animais em abrigos estaduais em 70%.
A Arca Brasil idealizou, em 1996, o "Programa de Controle das Populações de Cães e Gatos" implantado em Taboão da Serra, município da Grande São Paulo. Nesse projeto a prefeitura, por meio de sua Divisão de Controle de Zoonoses, cede os medicamentos para as clínicas veterinárias, que, por sua vez, realizam as castrações a preços viáveis para toda a população. O programa - que atua fortemente na conscientização dos proprietários - é uma alternativa eficiente para a procriação descontrolada e conseqüente sacrifício desses animais em CCZs. O programa, apresentado em Praga, em 1998, na 8ª Conferência Internacional das Interações Homem-Animal, em Manila, em 2001, na 1a. Conferência Asia for Animals e, em 2003, em Reno, EUA, na 48a. Animal Care EXPO, entre outros eventos de destaque, foi reconhecido em sua validade e pioneirismo pela Organização Pan-Americana da Saude (OPAS).
Além das operações em clínicas, até o ano de 2000 o programa também incluiu mutirões periódicos para castração gratuita de animais de famílias carentes. O alto cuidado com a assepsia e a participação voluntária de veterinários experientes - incluindo professores da USP e UNIP - foram critérios adotados nos oito mutirões realizados em Taboão da Serra. Uma comissão do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SP) visitou e pôde conferir a qualidade da iniciativa. A cada evento do Mutirão, eram castrados em média 180 cães e gatos. Embora a Arca Brasil, em Taboão da Serra, tenha introduzido o conceito dos mutirões de castração, esse tipo de ação foi encerrado em janeiro de 2000, em seu lugar foi criado um Posto Permanente de Castração Gratuita, que funcionou até dezembro de 2004, uma vez por semana, atendendo de 25 a 30 animais de famílias de comprovada carência, um total de 1200 a 1400 animais ao ano.
Desde 1997, cães e gatos recebem plaqueta de identificação afixada em uma coleira, mais de 23 mil desses animais constam nos cadastros da Divisão de Controle de Zoonoses. Em 1997 o programa desenvolveu ações conhecidas como Terapia Assistida com a Contribuição do Animal, sob coordenação da psicóloga e especialista em comportamento animal, Dra. Hannelore Fuchs. Esse trabalho teve início em unidades escolares públicas para crianças que necessitam de cuidados especiais, com resultados altamente positivos.
Desenvolvido para atuar no campo da educação, a equipe do "Projeto Pelucinha" atende a todas as crianças de primeiro grau da rede de ensino público, através de visitas que acontecem pelo menos uma vez ao ano. Utilizando-se de dinâmicas para diferentes faixas etárias, as crianças e adolescentes recebem instruções sobre a posse responsável dos animais (PRA). Em algumas ocasiões, as visitas são realizadas em presença da própria "Pelucinha", cadela abandonada pelos proprietários juntamente com os seus filhotes. Ao contrário de grande parte das histórias de abandono, essa teve um final feliz: os filhotes e a mãe foram doados castrados, vacinados e vermifugados. O objetivo do Projeto "De Volta Pra Casa" é facilitar a retirada das ruas de cadelas prenhes, com filhotes ou no cio, abandonadas pelas ruas. Esses animais são capturados, castrados, vermifugados e doados. De acordo com o estabelecido no projeto, proprietários que não podem pagar a taxa das cirurgias de castração recebem a cirurgia gratuitamente após averiguação de sua condição sócio-econômica. Graças a esse projeto, desde janeiro de 1999, filhotes sadios abandonados não são mais eliminados e sim encaminhados para adoção.
RESULTADOS
De abril de 1996 até dezembro de 2003, foram castrados 12.284 cães e gatos (cerca de 30% da população animal estimada do município), seja em mutirões ou nas clínicas veterinárias particulares que participam do programa realizando a cirurgia a preços reduzidos. A progressão geométrica mostra que esses animais e seus descendentes poderiam ter gerado mais de 1 milhão de filhotes nesses sete anos.
Um dos desdobramentos mais positivos da iniciativa é o interesse de municípios que, baseados no exemplo de Taboão da Serra, já realizam ou se preparam para trabalhos semelhantes. é o caso de Guarulhos; Jundiaí ; Osasco; Vargem Grande Paulista; Carapicuiba; Sorocaba; Atibaia; Cotia; Votorantin; Piedade; Ibiuna; São João da Vista; Bragança Paulista; São Sebastião; Valinhos; Vinhedo; Ribeirão Preto; São Carlos; Brotas; Bauru; Jaú; Guarujá e Cerquilho, no Estado de São Paulo; além de Niterói, Rio de Janeiro e Teresópolis (RJ); Curitibanos (SC); Porto Alegre e Santa Maria (RS); Juiz de Fora e Poços de Caldas (MG); Mossoró (RN); Boa Vista (RR) e em Teresina (PI), onde a Faculdade Federal de Veterinária demonstrou interesse pelo projeto. A iniciativa inspirou, inclusive, a criação da lei 12.327/97, que instituiu a Campanha de Controle da Natalidade de Cães e Gatos na cidade de São Paulo, aprovada em 97 e regulamentada em janeiro de 2000.
Outros resultados:
* Reduziram as solicitações para remoção de animais atropelados e de animais abandonados nas ruas.
* Aumento nas solicitações de investigação de crueldade: um indício de que cresce a conscientização da população.
* Crescimento das solicitações de vermifugação das crianças e dos pedidos de laqueaduras das trompas entre as mulheres da população de baixa renda.
* Envolvimento de várias faculdades de Medicina Veterinária no projeto. A Universidade de São Paulo, por exemplo, desenvolveu um trabalho semelhante com os animais da favela São Remo, localizada próxima ao campus.
* Interesse crescente de dezenas de municípios e ONGs de todo o país (vide listagem parcial acima) que, baseados no exemplo de Taboão da Serra, já realizam ou se preparam para trabalhos semelhantes. O projeto inspirou também a lei 12.327/97 - que criou a Campanha de Controle da Natalidade de Cães e Gatos na cidade de São Paulo.
As ações em Taboão da Serra, desenvolvidas com a assessoria da Arca Brasil, despertam interesse como um modelo válido para países em desenvolvimento. Isso foi demonstrado durante a 8ª Conferencia das Relações Homem-Animal, realizada em Praga, com a participação da OMS - Organização Mundial da Saúde. A validade do programa foi confirmada durante o Simpósio "Controle de Zoonoses e as Interações Homem-Animal", encontro que reuniu especialistas internacionais e cerca de 120 profissionais de todo o país, em setembro de 2001, na cidade de Embu, SP. O mesmo trabalho foi apresentado na Asia for Animals, em Manila, em maio de 2001, e em Reno, EUA, em abril de 2003.
A experiência de Taboão da Serra mostra que há uma solução viável para o problema da superpopulação, garantindo o bem-estar dos animais e a manutenção da saúde tanto deles quanto das pessoas que com eles convivem. A conscientização sobre o controle de natalidade animal mostrou ter influência na conscientização sobre o planejamento familiar em populações de baixa renda, provando que basta um bocado de boa vontade em divulgar informações corretas para que mitos caiam por terra e novos conceitos sejam acolhidos.
Ao assumir a responsabilidade pelos animais que domesticamos, demonstramos o respeito à vida e tentamos reparar os anos de descaso, evitando que a superpopulação chegue a níveis tão alarmantes que ameacem a manutenção da espécie. A possibilidade de extinção do Felis Catus através de programas de castração e criação indoor é praticamente nula, pois mesmo em países em que a Posse Responsável é amplamente praticada, como os EUA, o abandono persiste, ainda que em menor escala. Sempre existem os que não se importam, e contra esses, não há informação ou projeto que mostre algum resultado. Felizmente, em relação aos outros, a situação tem se mostrado favorável. Quem cria um gato castrado e sem acesso à rua e vê sua qualidade de vida, nunca mais abandona a Posse Responsável. Quem realmente ama seu animal e se interessa por cuidar de um ser de uma espécie diferente, assume a responsabilidade de cuidar por toda a vida. Essa é a melhor utilidade que podemos dar ao nosso lado racional: proteger e respeitar as diferentes formas de vida que dependem de nós.
Fontes:
Artigo "Controle da Natalidade e Posse Responsável de Cães e Gatos" www.arcabrasil.org.br
Castrar é pilar fundamental da posse responsável - Helena Jacob
O jornalismo científico e a posse responsável - Júlio Ottoboni - Observatório da imprensa.
"Campanha defenderá posse responsável de animais" Agência USP de notícias
"Vida não é brinquedo, animal não é presente" Boletim Informativo - Nº37 - 2004 www.anclivepa-sp.org.br
www.uipa.org.br "Guarda Responsável"
The Ultimate Cat Book, Dr. David Taylor
“Is anti-neutering linked to castration anxiety in men?” (The TomCat as a phallic symbol) Sarah Hartwell http://www.messybeast.com/antineuter2.htm
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Trabalho de conclusão da disciplina "Ensaio", do Curso de Formação de Escritores e Agentes Literários, da Unisinos. Professor: Mário Corso.